23 de fevereiro de 2009

AS LIÇÕES DO TEDIOSO CANADÁ

AS LIÇÕES DO TEDIOSO CANADÁ

Revista Época - no. 561 -16/02/2009, p.76
FAREED ZACARIA
Colunista Editor-chefe da edição internacional da revista News Week e escreve em Época quinzenalmente

O lendário editor da New Republic, Michael Kinsley, fez uma vez um concurso da Manchete Chata e decidiu que a vencedora era “Uma iniciativa canadense válida”. Vinte e dois anos depois a revista foi salva de seus problemas econômicos por uma companhia canadense de mídia, o que deveria ter ensinado, a nós, americanos, a ter um pouco de humildade. Agora há ainda mais provas das virtudes do Canadá.
Adivinhe qual é o único país do mundo industrializado que não viu uma única falência bancária nem pedidos de socorro financeiro ou intervenção do governo no setor financeiro ou de hipotecas? Foi o Canadá. Em 2008 o Fórum Econômico Mundial classificou o sistema bancário do Canadá como o mais saudável do mundo. O dos Estados Unidos ficou em 40º. Lugar, o do Reino unido em 44º. O Canadá fez mais que sobreviver a esta crise financeira: está prosperando nela. Os bancos canadenses estão capitalizados. O Toronto Dominion era o 15º. Banco da América do Norte há um ano. Agora é o 5º. Ele não cresceu, os outros é que encolheram
Qual é o segredo dos canadenses? Bom senso. Nos últimos 15 anos, enquanto os EUA e a Europa afrouxaram o controle sobre a indústria financeira, o Canadá se recusou a seguir a tendência. Os bancos canadenses são em média alavancados a 18 para 1 – comparado aos bancos americanos a 26 para 1 e bancos europeus a assustadores 61 para 1. Em parte, isso é reflexo da cultura canadense de negócios, mais avessa a riscos, mas também é produto das antigas regras sobre bancos.
O Canadá também foi protegido dos piores aspectos desta crise porque seus preços de imóveis não flutuaram tão loucamente quanto nos EUA. Os preços dos imóveis caíram 25% nos EUA, mas apenas metade disso no Canadá. Por que? A lei canadense não permite maciço consumo acima das possibilidades que a lei americana permite: juros sobre a hipoteca não podem ser descontados dos impostos de Renda lá no norte. Além disso, empréstimos para compra de casa própria nos Estados Unidos não tem “direito de retorno”, o que significa que, se você der um calote, é um problema do banco. No Canadá, o problema é seu. Você ouviu políticos americanos falarem da necessidade desses programas para permitir ao cidadão realizar o sonho americano da casa própria. Sessenta e oito por cento dos americanos são donos de suas próprias casas. E qual é a taxa no Canadá? É 68,4%.
O Canadá foi notavelmente responsável nos últimos anos. Foram 12 anos de superávit no orçamento, e agora o país pode gastar o dinheiro para alimentar uma recuperação. O governo reestruturou o sistema previdenciário colocando-o numa situação fiscal firme, ao contrário da seguridade social insolvente dos EUA. Seu sistema de saúde é mais barato que o americano (equivale a 9,7% do PIB em relação a 15,2% nos EUA) e funciona melhor em todos os indicadores importantes.
Os EUA têm um sistema de imigração burro. Um pequeno número de vistos de trabalho e de permanência é emitido, mandando embora estudantes talentosos. O Canadá não tem limite para o número de imigrantes treinados que podem se mudar para o país. O Visto Canadense para Trabalhador Treinado é concedido com base no nível educacional, experiência profissional, idade e habilidade com o idioma. Em 2007 a Microsoft, frustrada com a incapacidade de contratar estudantes de pós-graduação estrangeiros nos EUA abriu um centro de pesquisa em Vancouver. O anúncio da empresa dizia que ela iria preencher as vagas com “pessoas altamente treinadas afetadas por problemas de imigração nos EUA”. Assim, brilhantes engenheiros de software cineses e indianos, treinados em universidades americanas, foram atirados para fora do país e pegos pelo Canadá – onde a maioria vai trabalhar, inovar e pagar impostos.
Se o presidente Obama está procurando um governo esperto, há muito o que ele pode aprender do calmo – O.K. ‘às vezes tedioso – vizinho do Norte. Enquanto isso, nos fóruns do mundo financeiro, o Canadá pressiona por novas regras para as instituições financeiras, que reflitam sua visão. Isso chama a minha atenção como uma, bem, iniciativa canadense válida.